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::Galeria do Terror::
Les Yeux Sans Visage
Título(s) Alternativo(s): Eyes Without a Face, The Horror Chamber of Dr. Faustus
Título Nacional:
Direção: Georges Franju
Elenco: Pierre Brasseur, Alida Valli, François Guerin, Edith Scob
Ano: 1959
País: França
Duração: 90 min
Sinopse: Médico responsável por acidente automobilístico que desfigurou sua própria filha seqüestra mulheres na tentativa de reconstituir, por meio de sucessivos implantes experimentais, o belo rosto da jovem.
Comentário
Raras vezes poesia, obsessão, horror e tristeza estiveram tão magistralmente amalgamados como no clássico dos clássicos Eyes without a Face. Com efeito, é difícil conceber qualquer lista de respeito, a relacionar os melhores filmes de horror de todos os tempos, que não cite, com destaque, a obra-prima de Georges Franju. O enredo do filme, decerto, não é novidade. Em Frankenstein (1931), de James Whale, e em Dr. Jekyll & Mister Hyde (1932), de Rouben Mamoulian, a figura do médico alucinado que perde a humanidade no processo de conquista da natureza já era explorada. O que faz de Eyes without a Face único é o tom tristemente poético com que a história é contada.

Georges Franju, um dos fundadores da Cinémathèque Française, foi, sem dúvida, dos diretores de sensibilidade mais aguçada na história do cinema fantástico. No lugar da pena, optou o genial francês por expressar sua sofisticada poesia com uma câmera. Em Eyes without a Face contou com o auxílio inestimável dos brilhantes roteiristas Pierre Boileau e Thomas Narcejac, que já se haviam notabilizado por assinarem os roteiros de Diabolique (1955), de Henri-Georges Clouzot, e de Um Corpo Que Cai (1958), de Alfred Hitchcock. Também a fotografia em preto e branco, a cargo de Eugen Schüfftan, que já trabalhara com mestres do quilate de Fritz Lang, merece ser ressaltada, conferindo uma textura sombria à película.

A história gira em torno da atormentada personagem de Christine Génessier, soberbamente interpretada por Edith Scob, a filha do insano Dr. Génessier. Após sofrer um acidente de carro, provocado pela imprudência de seu pai, Christine teve seu belo rosto tragicamente desfigurado. Na obsessiva tentativa de reparar seu erro, o Dr. Génessier simula a morte de Christine e passa a mantê-la reclusa em casa, até que seja capaz, mediante experimentais implantes de face, de reconstituir o rosto da sua filha. Para tanto, não se furta a ordenar o seqüestro de jovens parisienses, tarefa que é levada a cabo por sua assistente Louise (competentemente interpretada por Alida Valli, atriz de vários filmes seminais do cinema de horror italiano como Lisa and the Devil, de Mario Bava, e Suspiria e Inferno, de Dario Argento), que lhe devota fidelidade absoluta, em razão de ter sido, ela mesma, alvo de anterior e bem sucedida operação de reconstrução facial.

A jovem Christine, compulsoriamente afastada do mundo, limita-se a vagar pela mansão, a modos de tristonho fantasma, com o rosto deformado oculto por uma delicada e alvíssima máscara, que a faz parecer frágil e irreal boneca de porcelana. Apenas seus olhos vazios dão o testemunho do intenso sofrimento experimentado pela jovem. Sofrimento esse que não advém, apenas, das seqüelas do acidente, mas, principalmente, do degredo que à pobre Christine foi imposto por seu insensível pai. Aliás, esse o tema central da estória: a liberdade. É certo que muitos outros assuntos são abordados no filme, como a busca da identidade pessoal – evidente na simbologia da reconstrução facial e no uso da máscara – e a conquista do conhecimento à custa da desumanização do ser humano. Contudo, a discussão sobre a liberdade, ou sobre a tentativa de suprimi-la, surge como o elemento mais importante do filme.

Todos os personagens, de certo modo, anseiam por liberdade. A pobre Christine, que, mais do que um rosto, ressente-se da privação do noivo e do contato com o mundo exterior. Louise, a assistente do Dr. Génessier, que, em virtude de sua dívida de gratidão, sente-se obrigada a assistir o médico em seus experimentos criminosos. O próprio Dr. Génessier, que, sem saber como lidar com suas culpas, tenta expiar seus pecados anulando sua humanidade e reduzindo-se a um mero robô-cientista.

Evidentemente, é impossível destruir a liberdade, a própria essência do ser humano. O que podemos fazer é tentar dissimulá-la. Isso, precisamente, o que mostra o filme, seja na cena em que o médico, num espasmo de humanidade, se entristece com a impossibilidade de salvar um menino, paciente desenganado em sua clínica; seja na débil tentativa da desiludida Christine em comunicar-se com o noivo, ao usar clandestinamente o telefone apenas para ouvir, calada, a voz de seu amado; seja no olhar distante da assistente Louise, que observa um avião a rasgar os céus, num tênue exercício, porque sonhar é também um exercício, de liberdade. Vale, neste passo, recordar o que dizia Sartre: “o homem está condenado a ser livre”. Eliminar essa liberdade existencial, portanto, é impossível e qualquer tentativa nesse sentido somente pode estar fadada ao mais retumbante fracasso.

De ressaltar-se, ainda, a notável habilidade de Franju, já demonstrada em seu curta anterior, Blood of the Beasts (1959), em costurar cenas de incrível realismo sem perder a atmosfera onírica, como na apavorante e brutal seqüência em que o rosto de uma jovem é cirurgicamente removido, com macabros toques de realismo, ou na fria e técnica narração em off do médico, acompanhado de impiedosos e sucessivos closes da desesperançada Christine, acerca da progressiva necrose que o tecido implantado sofre quando então transplantado para o rosto da filha.

A maravilhosa seqüência final dá o tom libertário, e ainda assim terrivelmente triste, do filme. Após assassinar a assistente de seu pai e salvar uma jovem que aguardava ter o rosto removido, Christine liberta todos os cães e pombos (com os quais se identifica) e que seu pai mantinha enclausurados como cobaias para seus experimentos. Assim que são libertados, os cães fogem da mansão e, no caminho, deparam com o Dr. Génessier. O encontro resulta num ataque furioso. O médico cai morto com o rosto, ironicamente, destroçado, enquanto sua filha, finalmente com a liberdade “reconquistada”, mas com a vida destruída, perde-se no bosque circunvizinho, em meio a uma revoada de brancas pombas.

Eyes without a Face é um filme denso e belíssimo. A prova cabal de que o horror pode ser o veículo adequado para expressar os sentimentos mais frágeis e delicados.
Fabrizio Barberini
26/03/2005
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