| O que é mais perigoso? Um grande vírus para destruir a humanidade ou sua suposta cura? Esse conceito já foi levado várias vezes para as mais diversas mídias, desde os experimentos malucos dos cientistas dos livros de Lovecraft até os X-Men de Stan Lee. E no próprio cinema essa tese já foi muito discutida. Porém, poucas vezes esse conceito foi tão levado a sério como em Scanners – Sua Mente Pode Destruir, do cineasta canadense David Cronenberg. O filme funciona como um terror dos bons e também como uma crítica feroz às indústrias farmacêuticas, que visam o lucro maior em cima de supostas “curas” em longo prazo, cujas origens ninguém questiona.
A história é sobre os Scanners, pessoas com alto poder psíquico que podem, entre outras coisas, mover objetos, interferir no pensamento dos outros ou mesmo matar pessoas, dependendo do grau de “poder” de cada um. Um dos pontos interessantes disso é que como são pouquíssimas pessoas que possuem esse dom, elas são caçadas a rodo por todo o tipo de gente, desde médicos renomados que supostamente estão buscando “melhorar” a vida dos Scanners aos que querem se apropriar deles com outros propósitos mais lucrativos. Nada que não vemos no dia a dia com as supostas experimentações em nome de um bem maior.
Dentre os Scanners se destaca o imponente Darryl Revok, vivido pelo ótimo Michael Ironside, que é o líder de uma facção radical dos scanners que planeja governar o planeta. Nisso tudo, apenas um scanner com um nível de poder próximo pode derrotá-lo. E, por fim, contar mais estraga a surpresa que é assistir a esse clássico. O filme mostra cenas chocantes, como a famosa cena da cabeça explodindo, que já virou até emoticon de MSN, mas também mostra um roteiro complexo e muito bem amarrado que vai se revelando aos poucos, até chegar num final arrepiante e perturbador, um dos melhores finais da história do cinema, sem dúvida.
David Cronenberg é um cineasta que sempre toca em temas asquerosos e de repúdio para o espectador comum, sempre mexendo com temas que envolvem orgias (Calafrios), desejos secretos (Crash) e mutações (A Mosca). Aqui ele discute, além dos poderes psíquicos e o que isso pode representar para a humanidade, o poder que as grandes corporações têm para se apoderar e fazer disso seu carro-chefe. E, indo um pouco mais além, nesse filme ele não deixa de fazer uma certa previsão sobre a predominância das doenças sobre os remédios, tão presente hoje em dia. Cronenberg também já tinha falado sobre as doenças venérias em “Calafrio”, mas aqui a mensagem é mais contundente, mais direta e mais realista do que nunca.
O filme conta com um bom elenco, que inclui a brasileira Jennifer O’ Neill, atriz problemática que não deu muito certo na carreira, mas que aqui traz um ótimo desempenho, o ótimo Stephen Lack, que também sumiu, não fazendo muita coisa de relevante depois, e Patrick McGoohan, que ficou conhecido pela série “O Prisioneiro”, aqui no papel do cientista que estuda os Scanners.
Esse filme fez de Cronenberg famoso, o que lhe permitiu continuar com seu estilo inusitado em filmes como Videodrome, A Mosca, Gêmeos - Mórbida Semelhança, entre outros. Fez bastante sucesso na época em que foi lançado, e depois virou um cult de locadoras, conseguindo um público fiel e apaixonado. Teve duas continuações oficiais, uma imitação barata (o risível Scanner Cop) e uma série de clonagens colocadas de maneira sem vergonha em muitos filmes que vieram depois. Mas, nada se compara a assistir ao original, recomendado tanto para fãs de terror e ficção científica quanto para apreciadores de cinema no melhor sentido da palavra. Assista e entenda por que muita coisa que se vê hoje em dia tem sua referência aqui e por que Cronenberg é considerado, com justiça, um dos melhores cineastas que o gênero já produziu. |
