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::Rango de Boteco::
Highway to the Grave
Título(s) Alternativo(s):
Título Nacional:
Direção: Teco Benson
Elenco: Regina Askia, Jide Kosoko, Tony Umez, Segun Arinz
Ano: 2003
País: Nigéria
Duração: 80 min
Sinopse: Vários homens caem em tentação e são seduzidos por uma mammiwata em treinamento, o que vai levá-los a sofrer o pão que o diabo amassou. Só a fé salvará.
Comentário
Todo mundo sabe que, em termos de influência e movimentação financeira, Hollywood é a maior indústria de filmes que existe. Os bem-informados sabem também que, em quantidade, a Índia é o país que mais produz. Mas poucos sabem que, correndo pela margem da margem, a Nigéria possui o mercado de filmes que mais cresce no mundo e, embora seja evidentemente difícil de se encontrarem dados confiáveis a respeito, é provavelmente o terceiro em volume de produção. Nollywood é a bola da vez.

Essas produções são feitas há 15 anos, quase exclusivamente para o mercado interno, mas começam a despertar a curiosidade externa. Produzidos diretamente em vídeo, mas com um esquema de distribuição altamente eficiente (em salas, mas principalmente para locação e venda direta), os cerca de 1000 filmes anuais tentam falar do universo do próprio país e não macaquear o cinema norte-americano (como fazem os filmes da Turquia, por exemplo). Com isso, muitas estrelas nigerianas são mais conhecidas lá do que as starlets americanas – o maior exemplo é a bela Geneviève Nnaji, especializada em papéis de vamps que viram a cabeça dos homens de bem.

Pois, justamente, virar a cabeça dos homens de bem é um dos temas mais recorrentes no novo cinema nigeriano. Um de seus subgêneros mais populares é conhecido como Hallelujah films. São financiados por igrejas pentecostais, que cresceram na Nigéria proporcionalmente ao mercado de filmes e, invariavelmente, contam histórias com alguma lição de moral mais que evidente, de modo que o espectador saia da sala com vontade de entrar no templo mais próximo, confessar todos os pecados e pagar o dízimo.

Um dos Hallelujah films mais populares difere um pouco do conjunto. Isso porque Highway to the grave, dirigido por Teco Benson (guardem esse nome – até porque ele é ótimo), é um filme de horror. Conta a história de vários homens que são vítimas de uma espécie de “bruxa-sereia”, uma mammiwata, que os seduz para depois levá-los à desgraça. Por desgraça entenda-se ficar broxa, perder todo o dinheiro, ou acordar com o pinto enfiado numa tijela cheia de arroz. Existe uma bruxa principal, interpretada por uma ex-miss Nigéria, que recebe ordens de outras bruxas, pois ela passa por um teste para ser aprovada no grupo. Reunidas num outro “plano”, as mammiwata assistem às desventuras de suas vítimas diretamente de uma espécie de TV espiritual.

E a expressão TV espiritual é mais precisa do que a última frase deixa transparecer, pois visualmente Highway to the Grave assemelha-se a qualquer um desses programas moralizantes que abundam (opa!) os canais evangélicos no Brasil e em outros países. A direção é qualquer nota, a montagem é nula (cortariam-se 30 minutos do filme sem deixar nenhuma informação de fora, facilmente) e, charme maior do filme, os efeitos especiais parecem tirados de uma mesa de efeitos de uma produtora que filma casamentos – só que uma do final dos anos 80!

Reside aí justamente todo o charme naïf do filme. Há uma incrível vontade de fazer seu próprio cinema para contar suas próprias histórias e aqui e ali pipocam detalhes geniais, como em Ed Wood (não o filme, mas o diretor em metonímia). Como em John Waters, há também um completo despudor em mostrar as coisas como são, e isso implica tanto a pobreza feia como a (nova) riqueza pra lá de kitsch. E é ótimo ver um filme de “terror” ou fantasia financiado pela igreja pentecostal, fazendo com que todo horror que exista seja usado para justificar a moral cristã. Cá entre nós: em O Exorcista já era assim… Teco Benson só mostrou um grande senso de oportunidade em fazer um filme de terror assumidamente cristão e dogmático.

Leia-se por cristão a religião pentecostal, mas as crenças e a iconografia original do lugar também estão presentes, embora, invariavelmente, consideradas como coisa do mal. Numa seqüência hilária de tão absurda, um antigo pajé, ao ser consultado por uma vítima da mammiwata, recomenda uma penitência completamente idiota… para depois tirar o maior sarro da cara do coitado. É de se perguntar se o prolífico Benson não tinha noção de que uma parte dos espectadores se identificaria com o pajé.

Assistir ao filme é então uma experiência mais antropológica que cinematográfica, pois expõe um mundo que realmente não conhecemos, o da classe média africana pentecostal, com toda sua mistura de cores, de crenças, preconceitos e efeitos especiais vagabundos. Não adianta chiar, pois tanto estética como tecnicamente os valores são outros. Uma idéia do desleixo técnico intrínseco a essa produção é dada pelo fato que, por ocasião da exibição do filme em uma mostra em homenagem a Nollywood, num dos cinemas mais legais e hi-tech de Montreal, a cópia apresentava uma inacreditável pixelização. Claramente tinha sido feita em um PC vagabundo qualquer, e não deixava de ser muito engraçado ver algo tão tosco exibido naquele templo de alta tecnologia.

Highway to the Grave é uma curiosidade especial para quem gosta de filmes fantásticos e é ávido por bizarrices novas. Seus 20 primeiros minutos garantem boas surpresas e risadas, que vão ficando mais raros à medida que o filme passa e ele vai se tornando somente irritante. Você pode até dormir em algum momento sem perder nada, só não deixe de assistir ao clímax com a inacreditável (mesmo para quem acompanhou o filme até ali) cena de exorcismo. Que William Friedkin, o quê! Teco Benson é o cara!!!
Milton do Prado
04/2007
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