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::Cine-Apelação::
Za Ginipiggu 2: Chiniku No Hana
Título(s) Alternativo(s): Guinea Pig - Flower of Flesh and Blood, Flower of Flesh and Blood
Título Nacional:
Direção: Hideshi Hino
Elenco: Hiroshi Tamura, Kirara Yugao
Ano: 1985
País: Japão
Duração: 42 min
Sinopse: psicopata rapta mulheres no metrô de Tóquio para depois torturá-las até a morte, vestido de samurai, em algum porão escuro da metrópole.
Comentário
A série Guinea Pig (cobaia, em inglês) ostenta, provavelmente, o primeiro posto entre os filmes de maior notoriedade no universo underground do horror extremo. Durante anos, cópias raras e vagabundas circularam pelo mercado – sempre com péssima imagem – e ajudaram a transformar a série, registrada no formato vídeo e não película, em alvo de obsessão por parte dos aficcionados em cinema extremo e de vanguarda. Num certo sentido, a série pode ser considerada quase pornográfica. O enredo normalmente é mínimo e funciona, a um primeiro exame, apenas como pálida justificativa para uma profusão de cenas radicalíssimas transbordantes de violência e sadismo. O objetivo confesso é apanhar o espectador pelo estômago, bombardeando-o incessantemente com cenas de torturas, desmembramentos e eviscerações. O resultado é uma tremenda overdose sensorial que somente encontra paralelo nos filmes mais radicais de sexo explícito.

As histórias e as lendas que assombram a realização dos filmes são tão interessantes quanto eles próprios. No primeiro filme da série – The Devil’s Experiment – sequer se veiculam os créditos, com o escopo de alimentar a fantasia de que se trata de um snuff. Alguns incautos levaram a brincadeira a sério. Na Suécia, reza a lenda, o filme foi investigado pelas autoridades, que somente arquivaram o caso após o parecer de um legista atestando de que a coisa toda era montagem. Na Inglaterra, um colecionador de filmes de horror foi preso e processado, ao argumento – absurdo e fascista! – de que comercializava filmes imorais e criminosos. Nos Estados Unidos, o famoso ator de cinema Charlie Sheen, ao ver uma cópia esmaecida do filme, julgou tratar-se de cenas reais e levou o caso às autoridades. Após extensa investigação, conclui-se que tudo não passava de uma farsa. O episódio mais notório, entretanto, deu-se no próprio Japão. Um serial killer verdadeiro teria torturado e matado crianças sob a influência, segundo a polícia, de um filme da série. O caso ganhou repercussão nacional e os envolvidos com a produção dos filmes foram acusados de apologia à violência. A história acabou não dando em nada, ante a óbvia constatação, para aqueles que ainda têm bom senso, de que um psicopata não precisa assistir a um filme de horror para decidir matar alguém.

Diante dos desdobramentos, o diretor do filme, Hideshi Hino, autor do mangá violentíssimo que serviu de inspiração para o filme, viu-se compelido a revelar sua identidade, bem como a dos atores do filme, de sorte a provar que tudo não passava, evidentemente, de cinema. Mas a fama já havia sido ganha e a série tornou-se sinônimo de perversão. Depois da balbúrdia, os realizadores resolverem mudar a proposta e passaram a produzir filmes com altas doses de humor negro e enredos mais elaborados, o que resta evidenciado, respectivamente, no terceiro e quarto filmes da série: He Never Dies e Mermaid in a Manhole.

Mas são os dois primeiros filmes que realmente fizeram a fama maldita dos Guinea Pig. Flower of Flesh & Blood, especialmente, é aquele que melhor encarna o sombrio espírito original da série.
O filme inicia-se com uma subjetiva do assassino a procurar, aleatoriamente, uma vítima no metrô. Feita a escolha, passa a perseguir jovem mulher até que, num parque escuro, ataca-a com um lenço embebido em substância dopante. Em seguida, numa tomada muito bem feita, vemos a pobre mulher despertar, paulatinamente, para o horror que a aguarda. Ao som de lento e perturbador gotejar de água, a jovem dá-se conta, pouco a pouco, de que está amarrada a uma mesa, em algum porão sinistro. O barulho da água é então substituído pelo ruído áspero de uma faca a ser amolada. Já tomada pelo terror, a pobre vítima começa a debater-se freneticamente, enquanto permanece com os olhos vidrados na sorumbática figura de negro que, dando-lhe as costas, afia a lâmina na pedra. Um corte seco de câmera e a figura volta-lhe o rosto. Trata-se de um homem vestido de samurai. A face, inteiramente pintada de branco, confere-lhe o aspecto de um cadáver. Um esgar torce-lhe a boca, crivada de dentes enegrecidos. Enquanto a vítima, amordaçada, emite inúteis gritos surdos, o samurai apanha uma galinha e, exibindo-a à jovem, decepa a cabeça do bicho. Com a face cadavérica respingada de encarnado, o homem derrama o sangue fresco sobre a mulher. O anúncio solene então é feito: esse será, também, o seu destino. Novamente dopada, a jovem perde a consciência, para nunca mais recobrá-la.

Desse ponto em diante, com exceção de poucos trechos em que o samurai declama versos para a câmera, descortina-se longa seqüência, muito bem realizada e incrivelmente realista, de desmembramento e evisceração, que é finalizada com a decapitação, em slow motion (numa cena crudelíssima), da mulher. O filme termina com o samurai a adicionar as partes do corpo da vítima à sua bizarra coleção, em que já abundam pedaços de corpos humanos a simularem flores plantadas na terra. Típica e triste canção japonesa embala esse momento macabro, com a letra a lamentar a queda da alma às negruras inebriantes do inferno.

Para além da violência explícita, é possível colher, num exercício talvez ousado de exegese, ácida crítica a elementos da complexa cultura japonesa. O samurai é a epítome de uma sociedade orgulhosa e militarizada que não sabe lidar com o desejo sexual masculino nem com o papel da mulher na vida pública. Prisioneiro de antigas tradições, o samurai teme a modernidade (o que resta evidenciado pela escolha das vítimas no metrô) e, principalmente, teme a liberdade que a mulher, mais e mais, passa a conquistar na esfera pública. No filme, a relação do homem com o sexo oposto é de objetalização e de idealização patológicas, o que se expressa na tentativa de “transformar” a mulher em algo perfeito e controlável, mediante a sua “reestruturação” ontológica em um novo ser: uma flor, que será plantada e vicejará, assim se espera, expondo toda a sua beleza mais recôndita e visceral. A tentativa, evidentemente, fracassa, e o filme termina com a idílica beleza sendo devorada pelos mais abjetos vermes da putrefação. Negada a possibilidade do escapismo estético, resta ao samurai descer, tristemente, num arakiri metafórico, aos fundos e inescrutáveis abismos do inferno.

Com certeza, Flower of Flesh & Blood não é um filme para todos. Nem mesmo para os fãs regulares de horror. Mas a experiência vale a pena, se não assusta ao espectador a perspectiva de preencher a alma com o mais absoluto nada.
Fabrizio Barberini
23/03/2005
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