John Carpenter. Poucos são os diretores autorais que têm seus nomes tão intimamente vinculados ao universo de filmes subversivos de horror. Rigorosamente, Assault on Precinct 13 não é um filme do gênero. Trata-se de fita de ação com generosas doses de suspense. Porém, ainda que o espectador nunca tenha ouvido falar em John Carpenter, basta assistir a alguns minutos de projeção para que se desconfie: “ah, mas esse diretor deve ter o background fortemente alicerçado em filmes de horror”.
E é a mais pura verdade.
Antes de dirigir os clássicos e seminais Halloween (1979) e The Thing (1983), Carpenter aventurou-se no cinema de ação. Mas o fez à sua maneira. No lugar da pancadaria generalizada, a narrativa, aqui, centra-se na tensão vivida pelos personagens que se refugiam na delegacia de polícia. Do lado de fora, a sitiá-los, imensa legião de malfeitores, escondidos nas sombras da noite escura, aguarda o momento ideal para promover uma invasão. O motivo do ataque parece ser a presença, no interior da chefatura, de um desafortunado cidadão, que, ao perder-se nos perigosos subúrbios da cidade, teve sua filhinha gratuitamente assassinada, em um assalto, pela referida gangue. Sedento de vingança, o sujeito sai em perigosa perseguição de carro aos assassinos. Após troca de tiros com os homicidas, consegue matar um deles, justamente o que disparou contra a sua filha. A vingança, porém, custa-lhe caro. Perseguido então pelo bando inteiro, o sujeito, por fim, dá-se conta da enrascada em que se meteu e sai a correr desesperado pelas ruas desertas, até encontrar refúgio na velha delegacia parcialmente desativada. Em estado de choque, nem ao menos é capaz de contar aos policias, precisamente, o que se passou. Não demora muito e todos se vêem no mesmo barco, cercados pela gangue. Para piorar, os telefones são subitamente desligados, fato que os impossibilita de pedir ajuda. Em seguida, a luz é cortada. Sem saída e após serem surpreendidos por um primeiro ataque dos bandidos, que conseguem repelir com várias baixas, os poucos a sobreviverem, dentro da delegacia – o delegado, dois detentos condenados e uma valente recepcionista –, acham-se obrigados a selar uma aliança, de sorte a evitar a invasão. Lá fora, a gangue, identificada por um dos detentos como os sanguinários e suicidas “cholos”, não pretende poupar ninguém, seja ele polícia ou bandido. Ainda mais quando a gangue também procura vingar-se da brutal execução, por parte de policiais, mostrada logo no início do filme, de vários membros do bando.
A estória, aparentemente, inspira-se no clássico do horror Night of the Living Dead (1969), de George Romero, e, também, no famoso western Rio Bravo (1959), de Howard Hawks. Mas é com o primeiro filme que as semelhanças saltam mais óbvias. Senão, vejamos. Temos um grupo absolutamente heterodoxo de pessoas, preso em uma casa, obrigadas pelas circunstâncias a aliar-se contra um inimigo em comum. Temos a ameaça externa, na forma de uma gangue de insanos dos quais muito pouco se sabe (e muito pouco se vê), que a todos ataca, indistintamente, de modo quase irracional. Temos o sujeito que atrai o bando de furiosos para a delegacia e, logo depois, queda-se catatônico, até o final do filme. Temos a possível explicação pseudo-científica para a violentíssima reação da gangue: a atividade de manchas solares que estariam a interferir no comportamento das pessoas. Temos o protagonista que tenta furar o cerco e encontra a morte. Temos, até, a fuga derradeira dos sitiados para o porão da delegacia, quando os meliantes finalmente logram invadi-la.
Vale ressaltar, neste passo, a assustadora impessoalidade dos membros da gangue. De variadas origens étnicas, mantêm-se eles em silencio durante praticamente todo o filme. Não seria exagero dizer que são os análogos dos zumbis de Romero. Comparação que se enrobustece quando se atenta para o comportamento quase suicida do bando, nas ocasiões em que tentam invadir, obsessivamente, a delegacia.
O foco narrativo, sempre do lado dos sitiados, reforça a sensação de claustrofobia, desamparo e solidão que permeia o filme. A impressão é de que não há mais, no mundo, nenhum humano para além dos sitiados. O uso de silenciadores pelos membros da gangue também ajuda na construção desse clima apocalíptico. Durante a brilhante cena do primeiro ataque – e posterior tentativa de invasão – da gangue à delegacia, os disparos impessoais e silenciosos dos invasores (acompanhados apenas do barulho dos vidros estilhaçados e do ricochete das balas) contrasta fortemente com os ruidosos tiros defensivos desferidos, logo depois, pelos sitiados. Mais do que a intenção de não despertar a atenção dos vizinhos, o uso dos silenciadores parece conotar a impessoalidade zumbificada dos próprios integrantes da gangue. De ressaltar, ainda, a forma escolhida por Carpenter para realizar as cenas, enfatizando a tensão dos sitiados, em seqüências, por vezes, mais longas e com menos cortes, em detrimento da ação pura e simples.
É evidente, ademais, a preocupação do diretor em não reduzir os protagonistas a posições maniqueístas do tipo “bons” e “maus”, ao mostrar a necessidade de cooperação entre os policias e os condenados (embora, evidentemente, tal não se aplique aos membros da gangue, que, despersonalizados, literalmente encarnam a figura difusa da “ameaça”). Na verdade, mais do que uma diferença ontológica, o que separa policias e prisioneiros são circunstâncias, escolhas e histórias de vida. O próprio delegado afirma ter crescido, como muitos outros desafortunados, naquele mesmo subúrbio perigoso. Aliás, a possibilidade da aproximação de pessoas diferentes, ainda que sempre com uma aura de desconfiança, é tema que veio a ser novamente explorado com maestria por Carpenter, poucos anos depois, na obra-prima da claustrofobia de horror: The Thing.
É bem verdade que Assault on Precinct 13 tem algumas arestas, como as referências ambíguas ao humor, que não parecem casar bem com o competente clima de tensão criado. Mas os pontos positivos superam em muito os negativos e fazem do filme obra muitíssimo interessante, que prende a atenção do espectador, seja por seus elementos de ação seja por seus elementos de suspense, do início até o fim.
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