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::Galeria do Terror::
Carnival of Souls
Título(s) Alternativo(s):
Título Nacional:
Direção: Herk Harvey
Elenco: Candance Hilligoss, Frances Feist, Sidney Berger, Art Ellison, Stan Levitt, Herk Harvey
Ano: 1962
País: EUA
Duração: 83 min
Sinopse: Mulher é perseguida por um espectro após haver logrado escapar, milagrosamente, de grave acidente de carro.
Comentário
Não se deixe enganar pelo enredo enxuto. Carnival of Souls é um excepcional filme de horror, com narrativa segura, belos enquadramentos, clima sombrio e um final, senão inteiramente surpreendente, redondo e muito interessante. Herk Harvey, diretor do filme, mostra que o cinema fantástico certamente perdeu um nome muito promissor para o gênero. Com uma equipe reduzida, baixo orçamento e no esquema independente, o diretor registrou um verdadeiro clássico (ainda que meio esquecido) do cinema de horror. Infelizmente, cuida-se, a um só tempo, de sua estréia e de seu canto do cisne no cinema de entretenimento, uma vez que Harvey trabalhava, e depois continuou a trabalhar, exclusivamente, até o fim da vida, no mercado de vídeos industriais e educativos. Precisamente por isso, surpreende a enorme qualidade do filme. O domínio da narrativa e da câmera, demonstrado com sobras ao longo da película, é de espantar e deixa muitos outros diretores, com uma pletora de filmes meia-boca no currículo, a morderem-se de inveja.

No início, vemos dois carros a disputarem um “racha”. Ao atingirem uma ponte, um dos carros, ocupados por três amigas, descontrola-se e cai no rio. Uma pausa na estória e, sobre as águas barrentas, surgem os letreiros, intercalados por cortes de câmera a exibirem o constante e tranqüilo tremular das águas. Dissonante música de órgão, de inspiração levemente religiosa, ecoa ao fundo. O clima da seqüência é belo e desolado, semelhante ao que Hideo Nakata ultimou alcançar na marcante cena de abertura do magistral Ringu (2002). De volta à estória: depois de horas de buscas infrutíferas promovidas pela polícia, eis que uma jovem (interpretada pela fria e bela Candance Hilligoss) é vista a sair, sofregamente e coberta de lama, do rio, numa bonita e estranha cena, de textura quase expressionista. De pronto a mulher é identificada como sendo Mary Henry (reminiscências de Henry James?), uma das ocupantes do carro acidentado. Às perguntas assacadas pelos policias, mantém-se ela muda. Seus olhos vazios, porém, revelam claramente o que lhe vai na alma. Nada. Nenhuma recordação conserva Mary do destino das outras ocupantes do auto, tampouco de como conseguiu salvar-se, sozinha, do sinistro. A dissonante música de órgão volta a assombrar o ambiente. É o aviso, dirigido ao espectador, de que algo de estranho, muito estranho, está a se passar.

Na tentativa de mudar de ares, Mary recomeça a vida em outra cidade, onde consegue emprego como organista de igreja. Como ela mesmo declara, não há nenhum comprometimento religioso nisso. Trata-se de simples modo de ganhar a vida. Durante a mudança, em uma viagem noturna de carro, Mary sente-se atraída, já próxima da nova cidade, por uma enorme ruína, que margeia a pista. Não demora muito e um vulto fantasmagórico surge em uma das janelas do carro. Logo mais, reaparece no meio da pista. A aparição custa-lhe apenas um susto e uma brusca escapada do carro. Mas a estória, evidentemente, está apenas começando.

Assim que chega à nova cidade, Mary aluga um quarto num antigo casarão. Além da proprietária, uma velha e cordata viúva, apenas mais um jovem reside no lugar, também como locatário. Logo descobrimos que o jovem, na verdade, é um casanova, que não descansa um minuto na empresa de seduzir Mary. Às investidas do conquistador barato, ela inicialmente responde com gélido desdém, até que revelação assustadora muda o rumo da estória. Na casa, Mary descobre que perambula um outro homem. Não um outro qualquer, mas o homem, uma figura espectral, cadavérica, de rosto lívido, olhos sombreados de negro e lábios cor de piche (na verdade, o próprio diretor com pesada maquiagem). Justamente a aparição que a fizera, na noite anterior, arrojar o carro fora da estrada.

Para o infortúnio de Mary, o homem não se limita a aparecer-lhe, ou sugerir sua presença, apenas na casa, mas, também, em uma loja de roupas, na praça da cidade, no escritório do médico, na oficina mecânica, e até mesmo nos seus sonhos. Em todos esses episódicos momentos, Mary ingressa, provisoriamente, em um mundo silencioso. Surda, nada mais escuta. Apenas observa as pessoas comuns entregarem-se aos seus afazeres, enquanto, ela própria, torna-se invisível para os vivos. Enraizada em seu realismo racionalista, Mary luta para compreender (e nunca sentir) o fenômeno extraordinário. E é em torno desse modo frio e fanaticamente racional de encarar a existência que gira toda a estória. A misantrópica personagem de Mary, a modos de Catherine Deneuve em Repulsion (1965), de Roman Polanski, e de Judith O’Dea em Night of the Living Dead (1968), de George Romero, reprimida e incapaz de experimentar emoções, constrói sua vida em franco divórcio com o mundo dos vivos. Bonita e enigmática, é alvo de constantes paqueras, inclusive por parte do conquistador da cidade. A todas Mary escapa. Se os vivos a atormentam, os mortos também não parecem dar-lhe sossego. Atemorizada com as aparições de o homem (medo parece ser a única emoção que lhe é permitida sentir), Mary acaba por aceitar a corte do casanova, não porque esteja nele interessada, mas porque teme a companhia dos espectros que habitam a sua própria solidão. Quando o conquistador percebe que se tornou um mero objeto, se enfurece e abandona Mary. Rompe-se, então, o último elo que ainda a mantém atrelada à vida. Por fim, Mary dirige-se às ruínas próximas à cidade, lugar pelo qual desde o início sente-se atraída. Uma vez lá, encontra seu destino, na companhia de espectros e zumbis, que emergem de um lago, para acorrerem a macabro baile. Um baile de celebração à morte, do qual Mary é a convidada de honra.

De ressaltar a habilidade do diretor, nessa seqüência final, em externar a solidão interna da personagem mediante o uso de longos planos em que Mary aparecesse a vagar, pequeníssima, em meio aos restolhos ciclópicos da construção abandonada.

Um filme para se ter em conta.
Fabrizio Barberini
03/2007
Onde Conseguir
- CD Point
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